Objetivo

Os principais objetivos desse capítulo são os seguintes:

  • assinalar a importância do rápido diagnóstico do estado de mal epiléptico, visto que influencia na resposta terapêutica e no prognóstico do paciente
  • orientar uma estratégia terapêutica prática e efetiva no controle do EME

Introdução

O paciente com EME tem crises epilépticas contínuas ou repetidas em um curto intervalo de tempo. Embora existam potentes medicações disponíveis e uma popularização dos protocolos de tratamento, o EME permanece como uma grande ameaça à vida. Um grande número de formas de EME foi descrito. O EME convulsivo generalizado é o mais comum. A diferenciação clínica dessas formas pode ser difícil e a terapia adequada para uma pode ser imprópria para outra. Mais de 30% dos pacientes adultos morrem ou evoluem com extensas seqüelas após seis meses. Os principais fatores relacionados com o prognóstico são a duração do EME, o retardo para o diagnóstico do EME (principalmente no EME não convulsivo) e a etiologia (pior na presença de lesão cerebral aguda). Desses a etiologia é certamente o principal responsável pelo prognóstico.

Epidemiologia

A incidência, nos EUA, é de 102.000 a 152.000 casos/ ano e aproximadamente 55.000 mortes anuais estão associadas ao EME. Mais de 10% dos pacientes com o diagnóstico de epilepsia apresentaram pelo menos um episódio de EME ao longo da vida. Mais freqüentemente, compromete crianças e adultos com mais de 60 anos. A incidência de estado de mal epiléptico não convulsivo é similar em ambos os sexos e atinge principalmente os idosos (pico máximo após os 80 anos).

Definição

O estado de mal epiléptico classicamente definido como uma crise epiléptica suficientemente prolongada ou repetitiva para produzir uma condição fixa ou duradoura. Os critérios diagnósticos de EME são os seguintes:

  • crises contínuas com duração de pelo menos 30 minutos
  • crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos com duração de pelo menos 30 minutos

A determinação de 30 minutos é baseada no tempo estimado de duração das crises necessário para lesar o sistema nervoso central. As crises convulsivas tônico-clônicas em adultos não costumam durar mais do que poucos minutos. Além disso, do ponto de vista prático, é reconhecida a necessidade de iniciar o tratamento do EME bem antes dos 30 minutos. Sendo assim, uma definição mais operacional do EME é atualmente proposta:

  • crise com mais de 5 minutos de  duração
  • duas ou mais crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos

Etiologia

As principais causas do EME em pacientes adultos estão listadas abaixo:
– epilepsia, responsável por 50% dos casos de EME
– abstinência alcóolica
– acidente vascular encefálico (AVE)
– metabólica (hipoglicemia, infecção sistêmica)
 – tumor SNC
– infecção SNC
– trauma crânio-encefálico
– anóxia
– distúrbios hidro-eletrolíticos como hiponatremia e hipocalcemia
– toxicidade de drogas (cocaína, medicamentos, álcool)
– causa desconhecida

Nos adultos, a causa mais comum de EME é a ausência de nível terapêutico de drogas anti-epilépticas em pacientes com conhecida doença epiléptica. O AVE é a etiologia mais freqüentemente identificada nos EME de pacientes idosos. Em pacientes não epilépticos, as causas mais comuns de EME não convulsivos são AVE, as infecções e o uso de medicamentos que reduzem o limiar anticonvulsivante. Entre estes medicamentos, os antibióticos são os mais importantes, principalmente ciprofloxacina, imipenem, polimixina B e cefepime.

Classificação

Diferentes tipos de crises podem determinar um estado de mal epiléptico. As crises são definidas conforme dados clínicos e eletroencefalográficos (EEG). Na tabela 1, está a classificação dos EME.

Tabela 1. Classificação do estado de mal epiléptico

Estado convulsivo generalizado primário
           Estado tônico-clônico
           Estado mioclônico
Estado convulsivo generalizado secundário
           Estado tônico-clônico com início parcial
           Estado tônico
Estado parcial simples
           Estado parcial motor
           Estado parcial sensorial
           Estado parcial com sintomas autonômicos ou vegetativos
           Estado parcial com sintomas cognitivos
           Estado parcial com sintomas afetivos
Estado parcial complexo
Estado de ausência
Pseudo-estados epilépticos

            Os mais freqüentes tipos de estado de mal nos adultos são o estado de mal convulsivo tônico-clônico e o mioclônico e o estado de mal não convulsivo parcial complexo.

Diagnóstico

Os principais dados no diagnóstico do estado de mal epiléptico são os obtidos pela avaliação clínica e eletroencefalográfica (EEG). O diagnóstico parece bastante simples quando o paciente apresenta-se com alteração da consciência e tem clinicamente óbvia convulsão com movimentos tônico-clônicos, tônicos ou clônicos das extremidades (estado de mal convulsivo). Entretanto, com o tempo (mais de 30 minutos), as manifestações clínicas tornam-se sutis, mas o paciente persiste torporoso (estado de mal não convulsivo). Nesta fase, o paciente pode ter somente contrações de pequena amplitude da musculatura facial, das mãos ou dos pés ou movimentos rápidos dos olhos. Em alguns pacientes nenhuma atividade motora repetitiva pode ser observada e o diagnóstico das convulsões somente poderá ser feito com o auxílio do EEG. O estado de mal não convulsivo persiste em até 14% dos casos, cujo mal convulsivo foi controlado clinicamente. O estado de mal não convulsivo pode estar presente no mal convulsivo prolongado, no mal convulsivo não bem controlado, e no EME convulsivo com o uso de bloqueadores neuromusculares. O EME não convulsivo pode ocorrer em pacientes sem estado prévio convulsivo, como em pacientes da UTI (DPOC, hipoventilação, infecção, hipoperfusão cerebral, sangue nos ventriculos ou no espaço subaracnóide). Pacientes que têm estado de mal epiléptico eletroencefalográfico, com alteração de sensório ou de conduta e pequena ou nenhuma atividade motora são de alto risco para o desenvolvimento de lesão do SNC e requerem tratamento imediato.

O estado de mal mioclônico, que é usualmente observado em pacientes após anóxia prolongada ou outro insulto metabólico severo, consiste de breves e súbitos movimentos de partes restritas do corpo que podem ser desencadeados por estímulos externos, tais como a ventilação mecânica. Nem sempre a atividade motora convulsiva é causada por crises convulsivas. Pacientes na UTI exibem uma variedade de movimentos involuntários não eplilépticos dos quais o diagnóstico diferencial com crise epiléptica pode ser difícil. Esses movimentos podem ser decorrentes de tremor, do espasmo tetânico, de movimentos contraturais da sepse ou da síndrome neuroléptica maligna, de movimento involuntário induzido pelas medicações e de posturas de descerebração ou de decorticação. Algumas vezes, a observação clínica não é suficiente para definir se os movimentos são devidos às crises convulsivas, e o EEG pode ser essencial para o diagnóstico e manejo.

Após o controle do estado de mal epiléptico é necessário iniciar uma investigação das possíveis etiologias. A história clínica e o exame neurológico podem sugerir as prováveis causas. Os exames laboratoriais nesta avaliação são os seguintes: glicemia, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio, hemograma, gasometria, função hepática, níveis séricos de anticonvulsivantes e toxicologia. Os pacientes que se apresentam com inexplicado quadro de alteração de sensório devem realizar uma TC. A punção lombar será realizada para excluir meningite ou hemorragia.

Abordagem inicial

Medidas de Suporte: o primeiro objetivo no atendimento desses pacientes é manter adequadas as funções cardiorespiratórias. Apesar dos períodos de apnéia e cianose que ocorrem durante as fases tônicas ou clônicas da convulsão, muitos pacientes em estado de mal ventilam adequadamente. Intubação e ventilação mecânica podem ser precocemente indicadas naqueles que chegam à emergência com depressão importante do sensório, perda da capacidade de proteger a via aérea e trocas gasosas inadequadas apesar da oferta de O2. Para facilitar a intubação, pode ser necessário o uso de bloqueadores neuromusculares. Nesse caso, os bloqueadores de curta ação são a primeira opção (vencurônio 0,1 mg/ Kg), visto que permitem uma rápida reavaliação clínica da presença das convulsões.  Muitos pacientes tem profunda acidose metabólca (pH <7,0), a qual é corrigida com o controle das convulsões. Tratamento com bicarbonato de sódio deve ser reservado para as situações mais extremas. A monitoração com oximetria e gasometria arterial é essencial. Administrar tiamina (100 mg),seguida por glicose 50% (50 ml), exceto na presença de hiperglicemia documentada.

Hipertermia é um achado freqüente (28-79%) durante os estados de mal, podendo ser um sinal de infecção ou decorrente do aumento de atividade motora ou devido a disfunção autonômica. Sustentada hipertemia aumenta o risco de necrose neuronal. A temperatura corporal deve ser mantida normal através de medidas de resfriamento e drogas antitérmicas.
 No estado de mal epiléptico, a autorregulação cerebral é severamente comprometida. Sendo assim a perfusão cerebral depende da pressão arterial média. A hipertensão é comum na fase inicial do EME convulsivo generalizado, enquanto que a hipotensão está presente nas fases mais tardias. Alguns podem ter hipotensão inicial como resultado de profunda descarga vagotônica ou secundária às medicações antiepilépticas. A hipotensão deve ser prontamente revertida.

O consumo de oxigênio do miocárdio aumenta durante as crises, o que pode induzir a isquemia miocárdica e arritmias. A monitoração eletrocardiográfica é parte mandatória do manejo.

A monitoração com EEG deve estar disponível para os pacientes que recebem bloqueadores neuromusculares de relativa longa ação, aos que permanecem inconscientes após a fase inicial de tratamento com drogas antiepilépticas e para os que requerem terapia prolongada no EME refratário. EEG simples para monitorações contínuas já estão disponíveis e provavelmente farão parte do arsenal de serviços de emergência e de centros de terapia intensiva.


Medidas Terapêuticas Específicas: o objetivo da terapia específica do estado de mal epiléptico é a pronta cessação da atividade convulsiva. O retardo no início do tratamento determina piora do prognóstico e redução na taxa de resposta as drogas antiepilépticas. A droga ideal  deve ser de fácil administração, ter imediato e prolongado efeito anticonvulsivante e ser livre de efeitos adversos sobre o sistema cardiorespiratório e o nível de consciência. No entanto, todas as drogas correntemente utilizadas estão longe desse ideal. Nem todos os estados de mal epilépticos respondem da mesma maneira às drogas. A escolha das drogas e a seqüência recomendada é baseada nas seguintes características:

– anticonvulsivante de ação rápida (benzodiazepínicos): interromper as crises

– anticonvulsivante de ação prolongada (fenitoína, fenobarbital): prevenir as recorrências

Os tratamentos com essas medicações foram igualmente efetivos no controle do EME convulsivo, em um estudo prospectivo, duplo-cego e randomizado. O tratamento com benzodiazepínico seguido da fenitoína é a sugestão do Epilepsy Foundation of America’s Working Group on Status Epilepticus (EFAWG) como primeira linha no manejo do estado de mal convulsivo.

Benzodiazepínicos: são drogas potentes e de rápido início de ação no controle das crises (1 a 2 min), sendo as preferidas na terapia inicial. O diazepam e o lorazepam são igualmente efetivos no controle das crises convulsivas generalizadas. Apesar dessa equivalência, o lorazepam é considerado a primeira opção, principalmente por ter efeito anticonvulsivante mais prolongado. Não devem ser administrados após cessação das crises convulsivas. Os efeitos adversos incluem a depressão respiratória (3-10%), a hipotensão (< 2%) e a redução do nível de consciência (20-60%).

Diazepam: 0,2 mg/ Kg IV – dose média adulto:10 mg – (5 mg/ min); repetir a cada 5 minutos até 3 doses, caso seja ineficaz no controle das crises; duração do efeito anticonvulsivante: 15 a 30 min; pouca solubilidade (não usar em infusão contínua).

Lorazepam: 0,1 mg/Kg IV – (2 mg/ min) – repetir a cada 5 min até o controle da crise; dose máxima de 9 mg;  duração do efeito anticonvulsivante de 12 a 24 h. Drogas adicionais podem não ser necessárias se a crise cessar e a causa do EMC for rapidamente corrigida. É a droga de escolha no controle do EMC. Não precipita em solução aquosa. Pode ser utilizado em infusão contínua. A apresentação intravenosa não é disponível no Brasil.

Fenitoína: é uma droga efetiva no controle das convulsões. Indicada na prevenção de recorrência das crises após uso de benzodiazepínicos ou quando os benzodiazepínicos falham no controle das crises. Quando a fenitoína é administrada na velocidade máxima recomendada de 50 mg/ min, a hipotensão ocorre em 28-50% dos pacientes e as arritmias cardíacas (bradicardia, extrassístoles) em 2%. Esses efeitos adversos são mais freqüentes em cardiopatas e pacientes com > 50 anos.

Fenitoína: dose de 15 a 20 mg/ Kg IV – (50 mg/ min) –  repetir dose de 5-10 mg/ Kg para controle da crise. Nos pacientes em uso de fenitoína e com nível sérico desconhecido, administrar 500 mg IV; monitoração cardio-vascular e da PAM são essenciais; a fenitoína é incompatível com soluções contendo glicose; limpar a linha venosa com solução salina antes da infusão da fenitoína.

Fenobarbital: é tão efetivo no controle das crises quanto a associação de diazepam e fenitoína.  Os seus efeitos adversos são a depressão respiratória, a redução do nível de consciência e a hipotensão, principalmente quando administrada depois dos benzodiazepínicos ou em altas doses. Devido a esses riscos, o fenobarbital não é recomendado como primeira escolha no controle do EMC. Pode ser a primeira opção nos pacientes alérgicos a fenitoína e nos com distúrbios de condução cardíaca.

Fenobarbital: dose de até 20 mg/ Kg IV – (<100 mg/ min) – cuidado com a depressão respiratória e a hipotensão; normalmente é necessário intubar com doses acima de 750 mg. A apresentação IM não pode ser usada EV.

O paciente em estado de mal epiléptico que não responde aos benzodiazepínicos, fenitoína e fenobarbital  é considerado refratário e requer tratamento mais agressivo. O midazolam, o propofol ou o barbitúrico são os anestésicos intravenosos contínuos mais usados no tratamento do EMC refratário. Antes do início dessas medicações, deve-se colocar o paciente em suporte ventilatório e em monitoração cardiovascular. Para melhor acompanhamento, inserir cateter venoso central e arterial. A monitoração eletroencefalográfica contínua é essencial tanto para identificar as convulsões como para adequar a dose desses anestésicos (ausência de atividade convulsiva). Existem poucos estudos comparando esses diferentes fármacos no EME refratário. O midazolam e o propofol emergem como as medicações mais úteis. Na presença de hipotensão, reduzir a velocidade de infusão dos medicamentos, repor volume e iniciar com vasopressor. Esse efeito adverso é mais freqüente com o barbitúrico.

Midazolam: dose de ataque de 0,1– 0,3 mg/Kg IV (infusão lenta); infusão contínua de 0,1 a 2 mg/ Kg/ h. Vantagem: rápido início de ação, solubilidade em água (ausência propilenoglicol – acidose metabólica). Quando as crises persistem por 1 hora após início da infusão do midazolam, em doses altas, essa deve ser suspensa e nova terapia introduzida.


Propofol: dose de ataque de 1-2 mg/ Kg IV; infusão contínua de 2-10 mg/ Kg/ h. A grande vantagem da terapia com propofol é a sua rápida eliminação e apresentar menos taquifilaxia que o midazolam. Maior risco de hipotensão e infecção quando comparado ao midazolam. A interrupção rápida pode propiciar convulsões da retirada.

Tiopental: dose de ataque de 100 a 300 mg em 30 seg; doses adicionais de 50 mg a cada 3 min até o controle das crises; infusão contínua de 3 a 5 mg/Kg/h. A rápida entrada no SNC facilita o ajuste da droga.

A partir do momento que as convulsões estejam suprimidas por um período de 12 a 24 horas, pode-se diminuir a dose do anticonvulsivante em 25 a 50% e observar a recorrência das convulsões. Se as convulsões não recorrem, então nova redução deve ser realizada. A recuperação funcional desses pacientes pode continuar por meses após a resolução da atividade convulsiva.

Sugestões de Leitura

  1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora
  2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora
  3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu
  4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003
  5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André – Editora Revinter
  6. Lowenstein DH, Alldredge BK. Status Epilepticus. N Engl J Med 1998; 338(14):970-976.
  7. Jordan KG. Convulsive and nonconvulsive status epilepticus in the intensive care unit and emergency department. In: Miller DH, Raps EC; Critical care neurology, Buterworth-Heinemann, Boston, 1999: 121-147.
  8. Ferraz A.C. Estado de mal epiléptico. In: Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica (Hospital Israelita Albert Einstein), 2000: 170 -176.
  9. Greenberg M S (ed). Handbook  of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997.
  10. Browne TR, Mikati M. Status epilepticus. In: Ropper,AH (ed.) .Neurological and Neurosurgical Intensive Care. Raven Press, Ltd. New York, 1993: 383-410.